a (última) nuvem.
Para as gotas de lágrima que choveram e foram medidas em ML
Meu querido,
se você olhar para o céu durante o dia, é improvável que ele esteja totalmente limpo, com sua aparente cor azul uniforme. Tal qual um quadro em branco bombardeado por gotas de tinta, estão presentes nos firmamentos as nuvens, quebrando a monotonia da certeza monocromática. Entre as mais comuns estão as Cumulos, que formam-se na camada mais baixa da atmosfera. Porém chega. Não é de ciência meteorológica que vim falar, apesar de que as metáforas talvez sejam inevitáveis, já que assim como nuvens se condensam e chovem água sobre a terra, eu condenso e chovo palavras sobre o papel, embora nossa modernidade me leve à transferir da celulose para o celular, com o perdão do péssimo trocadilho. Mas eu, meu amigo, você bem o sabe, sempre fui uma completa paradoxo. E embora os meus cadernos e o bloco de notas tenha virado um cemitério de textos bons que talvez ninguém nunca venha à ler, eu ainda gosto de me expressar através daquele blog encardido e desconhecido, que tenho quase certeza que você não conhece. E tudo bem não conhecer, acho que é melhor que não venhas à conhecer as palavras que aqui e agora registro, já que não tenho energia ou coragem o suficiente para dizê-las à ti.
Nossa vida é breve, você sabe disso tanto quanto eu. Tão breve perante a Existência é nossa vida quanto as nuvens Cumulus são para nós, já que sua vida, em medidas humanas, é de cerca de 10 minutos, após os quais ou ela se desfaz e evapora totalmente, ou se mescla à outra nuvem, perdendo assim talvez um quê de sua identidade enquanto aquela antiga massa de água flutuante específica – embora, de uma forma ou de outra nuvens nunca morram de fato, já que a água que ela chora evapora futuramente e vira novas nuvens, semelhante à nossos corpos que em decomposição nutrem o solo e geram novas vidas, nas quais de uma forma ou de outra, há algo de nós presente (viu?! parece que chovem metáforas também; entedeu?! chovem... okay, desculpe. Você gostava das minhas piadas idiotas e sem graça).
Mas é fato que em algum dos meus efêmeros e turbulentos e niilistas 10 minutos de sobrevida enquanto nuvem-humana, eu tive a sorte de te ver no horizonte, uma imponente e tempestuosa cumulonimbus (as nuvens de chuva, só pra constar). Tua intensidade era avassaladora, e tu eras forte, inabalável, e embora tua fachada acinzentada fosse ilegível, eu podia ver os raios que dançavam no interior de teus olhos. Digo "te vi no horizonte", mas ambos sabemos muito bem que foi você que notou-me primeiro, enquanto eu passava pequena e comum próxima à ti, tagarelando baboseiras sobre aquela saga de filmes que tanto amamos. Afinal, você não podia aceitar que eu tinha falado que determinado personagem era o mais forte e poderoso, e teve que me corrigir. E, se há um Algo Superior, amigo, eu agradeceria pela eternidade por essa nossa discrepância sobre a força de um personagem fictício, pois foi graças à ela e a sua atitude bem humorada de "corrigir" minha fala (segundo o seu ponto de vista, claro, ainda acho ele o mais forte) que nossas vidas se cruzaram. E foi como se em toda sua magnificência de Tempestade, tivesses acolhido à mim no teu interior, me absorvido, para que, me mesclando e misturando à ti, eu tivesse chances contra o Tempo e os Ventos Cruéis que na época me empurravam para longe, para um céu monótono e religiosamente opressor, se é que me entendes.
Resta à mim, perguntar-me: "quando perdi o rumo?". A resposta para essa pergunta está na encruzilhada metafórica que deixei para trás. Ali, tomei o caminho errado e não há mais nada que eu possa fazer. Tentei em vão achar trilhas que me possibilitassem algo semelhante à dar meia volta, mas todas só fazem eu me embrenhar mais e mais aqui... aonde quer que "aqui" seja. Você saberia o que fazer, você sempre sabia. Mesmo quando eu estava tão fraco a ponto de poder sentir as minhas células condensarem-se, eu sabia que tu estarias ali para me fornecer força e conselho. Não que eu sinta falta apenas do teu apoio, pois, na verdade, eu aceitaria de bom grado ser a mais fraca das nuvens novamente pela oportuniddade de te ter de novo, de falar contigo mais uma vez, de ouvir tua risada, de ver como tu nutre aqueles à tua volta com tua personalidade, assim como a terra é nutrida pela chuva.
Me falaram acerca de ti, meu caro. E aqui peço perdão por ir deixando a metáfora e a compostura escrita de lado. Fui ficando triste cada vez mais ao escrever, de modo que estou cansada demais para florear minha tristeza com lindas palavras e uma atitide serena e poética. Cá entre nós, meu caro, somente as tempestades escritas são calmas, e justamente por serem escritas. Mas sim, me falaram acerca de ti. Disseram que era possível voltar, que havia uma chance por mínima que fosse, mas me sinto indigna. Minha vontade era voltar para ti e dizer olhando fundo nos teus olhos, com a voz embargada de sinceridade e saudade: "olha, eu estou aqui; estou melhor, mais forte, perdoa-me, por favor". Tudo isso, porém, é sufocado pela vergonha, pelo arrependimento, pela culpa que está presa em minha garganta e me impede de respirar e sentir o vento totalmente em meu rosto. No fim, não é disso que se trata? Seguir pacificamente como se o mundo não tivesse sobre nossas costas, como se o passar das estações no ano não açoitasse nossos anos de vida e como se os pequenos pesos do cotidiano não grudassem em nossas lágrimas e em nossa autoestima, tornando-as cada vez mais pesadas até que a gravidade faça seu serviço. E o ela faz com perfeição.
Como é possível?! Que você esteja mais forte, enquanto eu só me dissolvo mais e mais?! Não me machuca você nem sentir minha falta. Machuca pensar que eu ainda poderia ter um espaço no teu coração.
Eu tinha mais coisas planejadas para dizer para um você imaginário. Mas não consigo, vou terminando por aqui. Eu só preciso tirar essa ideia maluca de mudar minhas decisões do passado. Elas estão ali como minha cruz, meu pagamento. E quer saber? É um pagamento perfeitamente justo. Eu ainda amo você, e embora saiba que você não guarda rancor, eu gostaria de pedir teu perdão, e de poder lhe contar os meus motivos para ter partido. Embora improvável, sonhar com realidades melhores é tudo que posso fazer hoje em dia.
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