Manifesto da Desistência.

Terça-feira, 16 de julho de 2014

Persistir, continuar, seguir adiante, insistir, permanecer, bater o pé, firmar-se, lutar, ficar, resistir, não desistir. Apenas sinônimos do mesmo sentimento, do mesmo apelo obsessivo por continuar, por não deixar de socar o muro como se isso fosse abrir uma porta nele, chover no molhado, dar repetidos golpes com a mão nua em uma faca. As pessoas, e por pessoas me incluo nesse meio, pois segundo penso é algo quase que inerente socialmente, glamourizam o ato da não-desistência como se fosse uma das coisas mais nobres e admiráveis da qual o ser humano é capaz. Mas o fato aqui é que há tanta coragem e nobreza em desistir quanto em permanecer, ou até mais, segundo minha visão. É preciso uma força interior imensa para abandonar, seja projetos, planos, sonhos, carreiras, pessoas, a vida. É preciso abdicar de quase todo senso de responsabilidade com outros e consigo, é preciso estar consciente de tomar uma atitude mais drástica e com muito menos possibilidade de reversão do que o ato diretamente oposto. Pois aos que ficam, é permitido o direito de voltar atrás, de ir, partir. Mas a nós que partimos, geralmente é vetada a simples escolha se retornar ao ponto do qual partimos. E partimos há muito tempo, mais do que nos conseguimos nos lembrar, desistimos mais do que imaginamos. Só não admitimos para nós mesmos. Se olhe no espelho, encare as suas pupilas opacas e paradoxalmente cintilantes, procure recordar, procure sentir: você já partiu. Já não está mais aqui, nem eu, nem ninguém. Há pessoas, situações, sentimentos dos quais você caiu fora. Ou quem sabe de si mesmo. Quem sabe você em si seja o que restou quando partiu de si mesmo. E se for, e se não for, tudo estará bem, as coisas ocorrerão como ocorrem há séculos e espaços. 

Mas a verdade há de ser dita e merece ser clamada sobre os telhados, desistir não é ruim. Na verdade, dá pra traçar um paralelo muito claro entre a insistência social do resistir (ou a abominação coercitiva do desistir) e pessoas sendo pressionadas a aturar situações que as machucam. "Não desista do seu casamento", é dito (embora nem sempre diretamente, mais como uma insistência geral e subconsciente) à alguém em um relacionamento nocivo. "Não desista do seu emprego", ouve e acredita alguém enfiado em um trabalho massante, desgastante e pouco rentável em todos os sentidos. "Não desista da sua família", escuta aquele que sofre e cujo coração pesa só de escutar a voz de seus familiares que ele supostamente deveria amar. "Não desista dessa paixão", ilude-se aquele que ama platonicamente alguém que não lhe corresponde o afeto. "Não desista de si mesmo", é clamado por pessoas que não fazem a mínima ideia do que se passa dentro de ti, de mim, de qualquer um. E todos se machucam ainda mais graças à desesperada e abusiva insistência de ficar. 

Eu porém digo e diria a todos, gritando e sendo ouvido por quem quer que fosse se assim o pudesse: DESISTAM. OU FAÇAM O QUE QUISEREM, MAS SAIBAM QUE VOCÊ PODE CAIR FORA. 

Não deem ouvidos aqueles que tentam compulsivamente te fazer ficar. São carentes em suas próprias não desistências. Não deem ouvidos ou a mínima atenção aqueles que te julgam fracos por partir, eles mesmos carecem de força, pois grande parte do receio em desistir vem do medo do que vem e tem do lado de fora do "estar". Não lhes deem ouvidos. Não ouçam ninguém além de si mesmos. Nem a mim vocês seriam obrigados a ouvir. A liberdade deve pulsar nos corações de vocês para que verdadeiramente saibam que está tudo bem em dizer adeus ao que quer que seja. Os fracos, os resistentes (aqui essa palavra não toma a forma de um adjetivo positivo, pelo contrário), eles tentaram lhe impedir. Insistirão (e como, nisso eles são bons), tentarão minar seus ouvidos e mentes com frases vazias de significado, preenchida com belezas e jogos linguísticos para camuflar a verdadeira mensagem de súplica deseserada: "Fique, fique aqui conosco como o fizemos, pois dói ver alguém que não foi covarde como nós. Permaneça como nós o fizemos por medo de partir, pois não fomos corajosos o bastante para atravessar a cortina do ficar". Eles tentarão agarrar-vos por seus braços, ombros, por suas mentes, sem jamais se importar com o sangue que jorra dessas partes desse ser já tão cansado. Eles tentarão, mas não conseguirão. Até porque, no fim, todos desistem. De quase tudo. Ou já desistiram. Inclusive e sobretudo de si mesmos. Um brinde à sutil e destrutiva e revigorante arte de desistir, e um viva à liberdade, de ser, de não ser, de ficar e partir. 


Investigação de suposto caso de suicídio.
Registro de Evidência. 
Trecho da Evidência 2:
Passagem datada do diário pessoal de Álex Taylor.

Nota do autor (a): este é um texto com contexto e personagem fictícios. Não necessariamente representa as opiniões pessoais e ideologias do(a) autor(a). Trata-se apenas da opinião pessoal de Álex, o(a) autor(a)-personagem. 



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